sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Os meus livros em criança

Júlio Machado Vaz
59 anos
Psiquiatra

Quando penso nos meus livros de infância, o primeiro lugar tem inquilino perpétuo - os livros dos Cinco, de Enid Blyton. O dono da Livraria Latina (Porto) telefonava a avisar da chegada de mais um, e meu pai trazia-o à hora de jantar. Porque a "ressaca" entre cada um deles era longa, obrigava-me a um exercício de autodisciplina férrea, lendo apenas dez páginas de cada vez. Um verdadeiro suplício para quem vibrava com as aventuras da miudagem e do fiel cão e também com descrições de scones e sanduíches irresistíveis! Mas recordo outras leituras: os fascículos do Cavaleiro Andante, Sandokan, o Tigre da Malásia (Emilio Salgari), a lendária Condessa de Ségur (Sophie Rostopchine)... E as principais notícias dos jornais, para ver um sorriso de aprovação no brilhante e implacável conversador que era meu pai.



Eduarda Abbondanza
50 anos
Directora da Moda Lisboa

O meu pai tinha uma indústria gráfica e por isso havia muitos livros lá em casa (em Campo de Ourique, Lisboa). Além da imagética das aventuras de Enid Blyton (Os Cinco, Os Sete e as Gémeas), tinha um imaginário de fadas muito presente. Chegava a fazer buraquinhos no jardim para encontrar tesouros. Lembro-me de ter lido Tom Sawyer e o Principezinho, mas também Albert Camus e Luiz Pacheco. Li bastante cedo Henry Miller. Os livros que estavam nas prateleiras de cima eram os que eu não devia ler, os mais interditos, mas eu empoleirava-me e chegava lá. A minha infância foi rodeada de rapazes, muitos primos. A minha mãe pensava que eu nunca iria ter uns joelhos normais. As crostas sobrepunham-se e nunca chegavam a sarar totalmente. Mais tarde, quando todos os meus colegas se aborreciam com os Lusíadas, eu maravilhava-me. Herdei da minha irmã, 11 anos mais velha que eu, um livro anotado. Eu adorava aquilo. Como os nossos pais trabalhavam, as brincadeiras ou se passavam na rua ou em casa a descobrir os segredos deles. Isso conseguia-se na biblioteca e na garrafeira.


Miguel Guilherme
50 anos
Actor

Quando decidi que queria começar a ler livros sem bonecos, peguei nos Cinco (Enid Blyton). Mas como aprendi a ler tarde, por volta dos oito anos, chegava ao fim de uma página muito cansado e já esquecido do que acontecera no início. Mas não desisti. Também lia Walt Disney, as histórias do Pato Donald, do Tio Patinhas. Antes mesmo de conseguir ler, "via os bonecos" nos livros do Tintin. Ainda hoje volto muito ao Tintin. De vez em quando, leio a colecção de uma ponta à outra. Mas foi com Alexandre Dumas (Os Três Mosqueteiros e Vinte Anos Depois), aos 12 anos, que senti intensamente o prazer da leitura, de uma forma que não mais se repetiu. Só queria isolar-me do mundo e ler, ler. A leitura acabou por me fazer desinteressar da escola, fui por isso um aluno mediano. Só se gostasse muito das cadeiras é que conseguia resultados bons. Mas Dumas permitiu-me fazer grandes brilharetes nas aulas de História: eu sabia quem era o cardeal Richelieu, o Mazarin, conhecia os reinados de Luís XIII e Luís XIV de França. Um sucesso. Por essa altura li também a Madame Bovary (Gustave Flaubert), adorava aquele erotismo... Li muito Emilio Salgari (Sandokan, O Corsário Negro). Pus-me a ler o Deus das Moscas (William Golding) e não percebi nada. Aos 13 anos, voltei a lê-lo e adorei. É fascinante como os livros têm diferentes camadas de entendimento. Quando os revisitamos, encontramos sempre algo novo porque já não somos os mesmos.


José Rodrigues dos Santos
44 anos
Jornalista e escritor

Quando era miúdo, em Tete (Moçambique), lia sobretudo Walt Disney, Tarzan, Spirou, Gaston Lagaffe, Mundo de Aventuras, Selecções do Reader's Digest e romances de cowboys, alguns bem grossos. Fui para Lourenço Marques com nove anos e dediquei-me ao Astérix, Tintin, Michel Vaillant, Os Sete e Os Cinco. Vim para Portugal com dez anos em 1974 e, numa primeira fase, lia pouco, dava a impressão de que havia menos livros disponíveis em Portugal do que em Moçambique. A partir dos 12 anos, comecei a ler muitos livros de ciência, em particular astronomia e cosmologia, e depois passei para a ficção científica. Consumia um livro da colecção Argonauta de dois em dois dias. Vendo as coisas em retrospectiva, o que me atraía em todos estes livros era sobretudo o lado da aventura, e penso que foi isso que ficou. Suponho que ainda hoje esse lado aventureiro influencia o meu trabalho - enquanto jornalista e enquanto romancista.


João Pedro Lucas
11 anos
Aluno do 6.º ano

Já li os livros todos do Harry Potter, alguns da colecção Uma Aventura e outros da Viagens no Tempo (Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada). Gostei muito do Marley, Um Cão Especial (John Grogan). Agora estou a ler o Eragon (Christopher Paolini). Leio porque gosto, porque os livros são interessantes e emocionantes. É a minha mãe que os escolhe, mas, se eu gostar do primeiro e for uma série, vou lendo os seguintes. Desde que haja mundos fantásticos e aventura, leio.

Depoimentos recolhidos por Rita Pimenta
Jornal "Público" 22.01.2009

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