terça-feira, 11 de dezembro de 2007

audiolivros

Actores, autores e editores dizem que são um retorno às comunidades orais, a origem da literatura

As editoras defendem que os audiolivros começam a ganhar o seu espaço no mercado editorial português. Estão nas livrarias, junto aos livros de papel e, em algumas, foram criados postos de escuta.

Em 2007, foram lançados 27 títulos, contra os sete do ano anterior. Existem já duas editoras portuguesas, a Solutions by Heart (desde 2005) e A BOCA (2006) dedicadas exclusivamente aos livros para ouvir e, pelo menos, outras quatro que também os publicam (Assírio&Alvim, Oficina do Livro, MHIJ, 101 Noites). Em Fevereiro, o semanário Expresso aventurou-se neste mercado com a publicação de uma colecção de pequenas histórias com as aventuras de Hercule Poirot e Miss Marple, de Agatha Christie. As editoras dizem mesmo que 2007 foi "o ano da explosão dos audiolivros".

Os livros para ouvir são gravados por actores e locutores famosos, que interpretam as palavras de grandes escritores: Eça e Cesariny ou Sepúlveda e Auster. Actores, autores e editores defendem que são um retorno às comunidades orais, que se reuniam à volta do contador de histórias (a "origem da literatura", dizem).

José Eduardo Agualusa, que lançou, em Novembro, um audiolivro com os seus contos, Passageiros em Trânsito, imagina-se a ouvi-los durante as suas viagens entre Portugal, Angola e Brasil ou quanto está "debaixo de um céu estrelado e sem luz". Outros preferem-nos à música nos rádios dos carros enquanto estão nas filas de trânsito. Outros ainda, aproveitam para ouvir uma história ou um livro de auto-ajuda enquanto arrumam a casa, ou estão na cozinha. E há, ainda, os cegos e os idosos que já não conseguem ler e crianças que se entretêm a ouvir uma história infantil.

As experiências com audiolivros em vinil (nos anos 70 e 80, sobretudo com os contos para crianças) e cassete e CD (com a poesia na década de 90) deixaram de ser pontuais.

Diana e a avó Tina

Diana, 29 anos, sai da Fnac do Chiado com alguns embrulhos. Entre eles, o audiolivro de Civilização, de Eça de Queirós, para oferecer à mãe. Diana não procurou nas outras livrarias da Rua Garrett e da Rua Nova do Almada, mas se o tivesse feito, não tinha encontrado muitos títulos. A Bertrand e a Lello&Irmãos não vendem audiolivros. Na Sá da Costa, os títulos de poesia da Assírio&Alvim estão escondidos numa vitrina à entrada. Já na Livraria Portugal, o expositor, apesar de pequeno, está à vista no rés-do-chão, ao fundo. Ali estão os seis títulos da colecção Livros para Ouvir, lançados em finais de Novembro pela 101 Noites, dois de Sepúlveda e um de Auster, da MHIJ editores, e os poemas para crianças de Jairo Aníbal Niño, lançados pel"A BOCA.

"São uma ideia muito interessante", diz Diana, apesar de confessar nunca ter ouvido um. Mas a mãe vai gostar: "É professora e assim pode levá-los para as aulas para que também os alunos os possam ouvir."

Os audiolivros são um produto muito recente em Portugal e apesar de as editoras estarem expectantes, as mais pequenas queixam-se de dificuldades na distribuição. A Solutions by Heart está a abandonar o sistema de consignação nas livrarias e distribuidoras, porque estes "nunca pagam nos prazos contratados", diz Albertina Dias. Além de que as grandes superfícies têm "margens de comercialização e custos de manutenção elevadíssimos", que a sua editora não é capaz de comportar.

Os três fundadores de A BOCA desistiram de bater à porta dos livreiros - "quando lá íamos perguntar pelos nossos audiolivros, não sabiam o que eram", diz Oriana Alves. Resolveram entregá-los a uma distribuidora

Os preços são competitivos

Mas a sua grande aposta é a disponibilização dos audiolivros em MP3 para download no seu site. E esse é um mercado cheio de potencialidades. "Para os jovens", considera a avó Tina, "com os computadores só sei fazer o mais básico". Tina, que nunca ouviu um audiolivro, prefere os de papel: "Com eles imaginamos melhor. E devem ser muito caros, não?". Os preços dos audiolivros competem directamente com os dos livros (entre os 12,51 euros na colecção da 101 Noites a 28 euros pelos Poemas de Mário Cesariny, ditos pelo próprio, da Assírio&Alvim). Os downloads em MP3 rondam os cinco euros. Este suporte não físico permite gravar histórias cada vez maiores. Para a New Age Entertainment editar o Códex 632, foram necessários 16 CD, em 19 horas de gravação pelo actor Ricardo Carriço.

Mas muitos continuam avessos aos audiolivros. Marcelo Rebelo de Sousa exemplifica com alguns amigos, que se sentem "ofendidos" com estes produtos. Mas estes não vão roubar leitores aos livros, contrapõe, antes se "complementam". Esta é, também, a posição da Dom Quixote, que nos finais da década de 80 tentou o lançamento de audiocassetes de clássicos portugueses. "Todos os novos suportes para a divulgação da literatura são bem-vindos", diz Rui Breda, da editora. "E, depois, se gostarem da obra [que ouviram], até é natural que acabem por comprar o livro."

Foi por isso que a 101 Noites desenvolveu o seu projecto de contos a pensar nos estudantes (ver outro texto nestas páginas).

Quando em Janeiro os alunos da mãe de Diana voltarem às aulas, talvez tenham a Civilização à sua espera.

Fonte: Público 10.12.2007, Sara Capelo

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