domingo, 16 de dezembro de 2007

Irene Pimentel é a quarta mulher a receber o Prémio Pessoa e alerta para a falta de espaço para as mulheres na sociedade portuguesa

Chegou tarde à História, cedo ao Estado Novo
15.12.2007, www.publico.pt São José Almeida

Irene Pimentel tem no prelo uma fotobiografia de Zeca Afonso. Integra-se numa colecção a lançar pelo Círculo de Leitores


Irene Flunser Pimentel recebe o Prémio Pessoa com orgulho, mas com a surpresa de quem não estava à espera. E, numa atitude de modéstia intelectual, insiste em que não merecia. Isto apesar de, aos 57 anos de idade, ter no seu currículo obras como As Organizações Femininas do Estado Novo, Os Judeus em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial, A Mocidade Portuguesa Feminina e A História da PIDE, este último a versão reduzida da sua tese de doutoramento. Trata-se de uma obra histórica vincadamente política, ligada à história da ditadura, o que leva Irene Pimentel a afirmar ao PÚBLICO que este prémio tem um significado político e a assumir-se como investigadora e historiadora política do Estado Novo.

Nascida em 2 de Maio de 1950, Irene Flunser Pimentel chegou tarde à História: tinha 29 anos, quando ingressou na Faculdade de Letras de Lisboa. Talvez por isso diz esperar que esta atribuição "chame a atenção para os jovens, e sobretudo as jovens mulheres, que não têm espaço para investigar".

Relacionando esta distinção com a sua vida e as suas causas, Irene Pimentel sublinha a sua condição de mulher ao comentar o facto de ser apenas a quarta a receber o Prémio Pessoa, em 21 anos da sua existência. Para além dela foram premiadas a pianista Maria João Pires, em 1989, a pintora Menez, em 1990, e da cientista Hanna Damásio, em 1992, que partilhou a distinção com o marido, António Damásio.

"É importantíssimo ter havido só quatro mulheres. As pessoas têm de ter noção que as mulheres para, por exemplo, investigar, têm de ter o seu espaço e muitas vezes não têm "o quarto que é seu", como dizia Virgínia Woolf, e têm de fazer escolhas, como entre a maternidade e o trabalho."

"Não fiz a revolução!"
O seu interesse pela história política é explicável pela sua própria história de vida. Nascida em Lisboa, é irmã do cartoonista e arquitecto Rui Pimentel e filha de uma cidadã suíça, Erika Flunser Pimentel, que, antes de casar, foi caixeira principal de uma loja de Basileia, e de um engenheiro químico, Eurico Cortez Pinto Pimentel, proprietário do Laboratório Sanitas.

Depois de estudar na secção francesa do Liceu Francês, em Lisboa, em 1968 ruma à Suíça, para estudar literaturas comparadas. Mas, em 1970, não resiste ao apelo da política e ao clima pós-Maio de 68 e ruma a Paris, onde vive nove meses.

Decide então, no final de 1970, voltar a Lisboa para fazer a revolução. E é com uma gargalhada que brinca consigo mesma: "Afinal, não fiz a revolução!" Adere à Organização Comunista Marxista-Leninista Portuguesa e trabalha no jornal Grito do Povo. Já depois do 25 de Abril, está na fundação do Partido Comunista Português (Reconstruído) - PCP(R) - e trabalha no jornal Voz do Povo.

Em 1978, rompe com a extrema-esquerda e inicia o seu percurso cívico fora dos partidos políticos, que ainda hoje a leva a integrar o Movimento Não Apaguem a Memória, que luta pela construção de espaços museológicos e de memória do que foi o salazarismo. Irene Pimentel abraça, em 1978, a luta pela despenalização do aborto. Integra então a Comissão Nacional pelo Aborto e Contracepção (CNAC), que, na sequência do Movimento de Libertação das Mulheres, dirige o movimento de opinião que força a discussão, em 1982, pela Assembleia da República, dos primeiros projectos de lei do PCP e da UDP para despenalizar o aborto.

À margem da Academia
Paralelamente, no ano lectivo de 1979/80, ingressa no curso de História, na Faculdade de Letras de Lisboa, que frequenta à noite, como estudante-trabalhadora, dedicando-se, durante o dia, a ser secretária da Companhia de Teatro A Barraca e promotora em Lisboa da editora coimbrã Centelha. Durante quatro anos, passa as noites na cidade universitária de Lisboa e fica marcada por figuras como Hernâni Resende, que dirigia a cadeira de História da Cultura e das Mentalidades Contemporâneas, onde arranca um 17 de nota final.

Terminado o curso em 1984, Irene Pimentel é convidada para trabalhar na mítica Livraria Bucholz, em Lisboa, onde ficará durante dez anos. É tendo como base profissional a venda de livros que se lança no mestrado em História Contemporânea de Portugal, já na Universidade Nova de Lisboa. Dirigida por Fernando Rosas, estuda as organizações femininas do Estado Novo.

E é sob a orientação de Fernando Rosas que prepara o doutoramento sobre a Polícia Internacional de Defesa do Estado, PIDE, a polícia política de Salazar entre 1945 e 1969, um período em que recebe uma bolsa da Fundação de Ciência e Tecnologia. Foram cinco anos de investigação que permitiram a Irene Flunster Pimentel construir uma imagem realistas e despidas de preconceitos dessa polícia, vindo a defender o seu doutoramento perante um júri que lhe daria a nota máxima, aprovando-a com louvor e distinção.

Sem nunca ter tido um convite para leccionar numa universidade portuguesa, Irene Flunster Pimentel não desistiu nunca da investigação sobre o período do Estado Novo. E se a academia não tem distinguido o seu trabalho, ele tem sido reconhecido editorialmente: todas as suas investigações têm sido publicadas pelo Círculo de Leitores/Temas e Debates e pela Esfera dos Livros. E a obra Judeus em Portugal na Segunda Guerra Mundial foi distinguida já este ano com o Prémio Sedas Nunes.

O ano de 2007 tem sido, aliás, o ano de Irene Flunster Pimentel, que agora fecha com a chave de ouro do Prémio Pessoa. Isto porque, ainda na quarta-feira, com uma intervenção de Maria de Belém Roseira e perante uma sala meia vazia do antigo Liceu de Maria Amália Vaz de Carvalho, em Lisboa, Irene Pimentel lançou a sua última obra, Mocidade Portuguesa Feminina.

É bem provável que, se o lançamento tivesse sido uma semana depois, a sala do Maria Amália já seria pequena para os interessados em aplaudir um Prémio Pessoa...

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